Tem horas que a gente tem que meter a mão no bolso mesmo e gastar
uma grana para fazer certas coisas. Uma delas é pegar o carro, subir a Serra do
Mar e ir para Sampa assistir umas coisas que vão demorar – ou talvez nunca
cheguem – aqui na beira mar.
Não tinha ninguém p’ra ir comigo, fui só, para a Wall Street
de Pindorama, nossa luminosa Avenida Paulista, orra meu!, e entrei na sala de
cinema da Reserva Cultural para assistir:
Documentário que "trata de um dos momentos de maior efervescência política de nossa recente história como sociedade democrática: os bastidores do golpe militar de 1964", conforme diz o site da produtora PEQUI Filmes (congratulations, aliás!). O que acrescenta e muito (embora sempre haja o que falar em história e ainda mais nesses momentos em que ela se torna um grande sonrisal) ao que já se falou sobre esta página da nossa biografia como país "que vai p'ra frente" é seu enfoque e seus documentos em áudio e imagens sobre a participação dos sobrinhos do Tio Sam na quartelada. Fica claro, claríssimo o que já se sabia ou pressentia ou de dizia pelos botecos: J. F. Kennedy (já estava morto em 64 mas foi figura chave na visão política que vigorava na época), Lyndon Johnson, seu sucessor e continuador de suas "policies" e o grande arquiteto da intensa participação americana no golpe: o embaixador Lincoln Gordon.
Tem que ver. Temos que ver. Nas escolas, nas ruas, campos, construções.
Por passadismo? Revanchismo?
Não.
Na Reserva Cultural, onde há uma daquelas livrarias/ lojas de cd's e dvd's chiques/cults de Sumpaulo, estava à venda "O Ovo da Serpente", de Ingmar Bergman. Morri de vontade de comprar, mas estava meio caro este bem cultural, eu queria rever este filme que assisti no século passado na boa Ribeirão Preto em que eu morava nos anos 80 (boa porque o Fogão tinha o Dr. Sócrates e a vida cultural naquela cidade do "interior" era rica e intensa). Então não comprei e fico com minhas lembranças daquele belo filme de arte contando sobre a insidiosa insinuação do nazismo na vida da Alemanha, já nos anos 1920 do século passado. O que depois saberemos se tornará um dos capítulos mais cruéis e infames da trajetória do ser humano no planeta Terra, está ali em gestação, melhor, em incubação dentro de um ovo de maldade, delação, covardia frente ao mal que se instala cada vez mais forte e firme no poder. Desse ovo, quando chocado, nascerão as condições para que os torturadores, perseguidores de indefesos, censores, invejosos e ignorantes alçados às lideranças, enfim, todo tipo de escória que um estado de direito deve manter inativos e impedidos de cometer sua principal atividade: a infâmia.
Pois quando o ovo eclode, eles saem, como pinto no lixo para perseguir, torturar, cercear, trazer o nível de tudo ao mais basal possível.
Foi o que aconteceu a partir de 01º de abril de 1964 e, de certa forma, ecoa até hoje em nosso país.
Por isso, a cada vez que alguém fizer um livro, um documentário, enfim, cada vez que alguém contar esta história, para que não se repita em farsa ou tragédia, estará fazendo o ovo da serpente voltar para seu ninho.
Mas não se acomodem, ele sempre estará lá. É não deixar que ele choque.
E àqueles que gostam de bobagens como "mas naquele tempo era bom...." vão até o play-ground, se pendurem em uma barra do mesmo jeito como se colocavam as pessoas no pau-de-arara e fiquem até quando aguentarem, para ver o que é bom.
Um comentário:
Quem viveu naqueles anos amargos sabe muito bem o que foi... Mas pelo que eu percebo das pessoas da minha idade, parece que sofrem de uma certa amnésia. Acreditam que se esquecerem estarão livres do mal e é justamente o contrário. É nesse esquecimento forçado que o tal ovo se cria, se reproduz e nos devora. Vivenciamos tempos de uma pseudo democracia onde nós, o incauto povo, elegemos vários filhotes travestidos de democratas que estão por aí a nos devorar aos poucos...
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