“Esse violão é
seus?” pergunta com aquele delicioso sotaque mineiro do Vale do Jequitinhonha (quase “jequiti-õ-nha” quando pronunciado com tal sotaque) o moço do hotel.
Aliás “moço” e “moça” por aqui são palavras de múltiplo uso que vão desde a habitual forma de tratamento para alguém de que você não sabe o nome (na papelaria de Turmalina: “moça, tem alfinete?”) até aquela forma meio de interjeição que aí por São Paulo e outros a gente usa “rapaz”. Sabe assim: “rapaz, que golaço”? Ou “cara”, “meu”, “véio”, etc. Só que nenhum tem o mesmo sabor. Aliás ,falando em sabor, passe sua língua lá no céu de sua boca e fale alguma palavra com “L” entre duas vogais, com esse som bem palatal – (é assim que fala, linguistas? - bem indo mesmo lá no céu da boca – será que é porque o daqui é tão estrelado?). Este é outro traço cheio de charme desse sotaque. Eu precisava estudar fonética, mas o que meu ouvido de músico diz é que juntando o tal “L” aí com um “I” bem curtinho e que não vai muito pro nariz e comendo um bocadin... da última sílaba (fale “palito”, por exemplo, desse jeito) a gente tem outro tempero regional que o povo daqui usa para nos servir suas palavras.
A moça da papelaria, no fim, me vendeu os tais alfinetes (que eu estou usando pra fazer um pau-de-chuva artesanal – sabe aquele instrumento que faz “chchqchqqchchq”?) e perguntou: “o moço quer uma sacolinha?”. Nessa minha transcrição inventada equivaleria a “sacolin-ha” que a gente já ouve com mais ênfase na Bahia e que aqui é bem sutil. Devo dizer que, sei lá eu porque, eu adoro quando ouço essa sonoridade. É mesmo música pra mim.
Mas, além dos sons, uma outra moça, essa de Capelinha, aqui também na região, nos explicou como os mineiros falam com as mãos. Eu achava que era só coisa de italiano, mas ela explicou, sanando uma dúvida que tínhamos sobre as indicações de distância quando pedíamos informações sobre trajetos e caminhos. Disse lá ela que quando alguém fala: “é ali...” e não balança a mão meio com a palma virada de lado é porque é perto mesmo. Mas se balançar... se prepare pra andar bastante. Quanto? É prestar atenção no tanto que ela balança! E quando alguém fala, como ouvimos: “pega reto ali e segue toda vida”. Esse toda vida às vezes dá um susto na gente!
Bom, mooooço, 'tá na hora de encerrar, mas antes não dá pra deixar de lembrar como lá em Senador Modestino Gonçalves alguns sons e sabores de sotaques de fizeram presentes. Um deles é: “mãe 'tá aí? Você viu mãe?”.
Outra coisa é a forma como eles “reduzem” o nome da cidade (pois perguntei, afinal, com um nomão comprido desses deve ter uma forma mais familiar...). A moça do restaurante disse que era “Mecês”. Na verdade, “Mercês”, mas com um “R” tão levinho que nem se ouve direito.
Aliás, porque esse era o nome anterior da cidade: “Mercês do Araçuaí”, aliás nome do ótimo grupo de teatro da cidade, porém grafado “Mercês do Arassuahy” (corrijam-me, rapaziada, se eu estiver errado); aliás terra de bons jovens músicos (Jacó e moçada, sigam firme em frente!).
Aliás foi lá que Élton, do grupo de teatro me mostrou a possibilidade um uso ainda mais radical da expressão “moço”. Ele disse que às vezes se fala até: “Moço, moço...” e prossegue a frase, sendo que um “moço” serve de interjeição e o outro de vocativo (está certo, gramáticos?).
Aliás, você viu quanto “L” eu pus aí para você treinar?
Bão, não precisa nem falar da elisão e fusão de palavras que levam a coisas como a receita de "moio de repoi no ai e ói" que vimos numa revista não sei se em Água Boa ou Malacacheta (de novo os nomes...).
Pois então, “moço, moço e moça”: que terra boa. Vamos experimentar mais?
Ò a garupa...
(P.s.: a foto é minha, do museu de Minas Novas.)