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sexta-feira, 27 de julho de 2012

A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA INVENTOU A PIRATARIA


Quando leio numa matéria do vetusto Estadão on-line que "...ficamos sabendo que, para citar só um exemplo, foi apenas recentemente que as gravadoras pararam de produzir cópias clandestinas de CDs na calada da noite – CDs que não constavam no balanço contábil e eram vendidos sem gerar royalties para os artistas –, é difícil levar a sério a ideia de que consumir música sem pagar por ela seja prejudicial para os artistas. Por sinal, o que pôs fim à produção de cópias clandestinas não foi um impulso ético nem um movimento pelos direitos dos artistas – e sim uma lei que atribuía aos executivos a responsabilidade criminal individual por fraudes no balanço", do artigo do escritor e ativista, Cory Doctorow intitulado "O pecado original", de 22 de julho de 2012 reacende a vontade de dizer em alto e bom som o título desta postagem e repetir para quem quiser ouvir: "a indústria fonográfica inventou  - quero dizer, criou as bases para- e fomentou a pirataria que hoje corrói sua própria estrutura".

Não quero dizer com isso que foi essa indústria - talvez   uma das mais predatórias dentro do nosso predatório sistema "capetalista"(o artigo citado corrobora esta opinião)- que inventou o compartilhamento, as condições tecnológicas de compactar e difundir música com extrema facilidade pelo globo quase todo e a banquinha do marreteiro na feira aqui da esquina e lá do Belém do Pará, entre outras condições contemporâneas que vêm mudando o modo de distribuir produtos sonoros. Embora haja quem diga que por trás mesmo desse mercado "paralelo" também haja a mão da sonegação, do caixa 2 e a mala preta da própria indústria (lesando o fisco e os artistas), quase todo mundo diz que o tal paralelismo criou um rombo no faturamento das "majors".

O que quero lembrar são algumas condições de esvaziamento dos hábitos de consumo e  fruição de música, criadas pelos próprios donos da voz, que propiciaram a nossos amigos Francis Drakes e Jacks Sparrows fonográficos tomarem de assalto as naus sem rumo carregadas de ouro e riquezas em forma de fonogramas, direitos autorais e acervos da obra e prestígio dos autores musicais.

Primeira: lá pelos "eighties", inventou-se o "hit", o arrasa-quarteirão, o equivalente musical do blockbuster do cinema e o anglicismo todo é para lembrar que os papas nessas áreas de vender tranqueiras para o mundo todo eram os estadunidenses, além de mestres em invadir países exóticos para roubar petróleo e demarcar territórios (agora parece que a China vem roubando a primazia no primeiro item, mas a difusão "worldwide" de sua cultura sempre foi da expertise - esta já é em português, hem! - dos sobrinhos do Tio Sam). Bem, eles inventaram o que aqui convencionou-se também chamar "música de trabalho", ou seja: uma faixa entre as muitas que se poderiam registrar num lp (e depois muitas mais nas possibilidades tecnológicas do cd) que era bombada nas mídias para que se vendesse de montão o disco (compacto ou não) que a continha, levando de lambuja as restantes 11 ou mais faixas do mesmo, mas sem dar muita bola para elas. 

Estava assim devidamente detonado o conceito de "álbum" que alguns artistas tentaram implantar, principalmente nos anos 60/70. Bem, a ideia foi pro brejo mas ficaram, graças, algumas obras-primas como "The Dark Side of The Moon", "SgtPepper's Lonely Hearts Club Band", "Clube da Esquina", entre outros...


E bombardearam o público pagante e consumidor com mísseis movidos a jabaculê com suas ogivas devidamente carregadas com os tais "hits/músicas de trabalho". Leia-se: criaram a ditadura da canção única a cada disco.


Criaram o comprador de uma faixa, que tinha, por força do mercado, que levar o resto do disco que ele mal ouvia.


E veio a internet, o napster (que hoje parece uma relíquia - a coisa foi outro dia...), os muitos compartilhamentos e aí ficou mais fácil para o consumidor migrar do cd, já que não havia nenhuma necessidade de se obter todas as faixas, o que se queria era o hit (notem que ainda não havia facilidades de baixar os discos inteiros, mas o estrago já estava feito - quase ninguém dava bola para o conceitual "álbum").


Difícil ver uma outra área que tratou seu próprio produto com tanto desprezo quanto a indústria fonográfica. Como se a indústria de sabão esnobasse sua espuma e a dentifrício não se preocupasse em vender seus tubinhos para clarear os dentes de seu clientes. Parece paradoxo mas pensem: a indústria de disco parou de vender discos lá pelos "eighties": vendia hits!!! E entregava, junto, uma bolacha que ela mesma tornou desacreditada. Pois aí vieram os piratas e pintaram e bordaram no terreno preparado pela própria indústria do disco.


A pena é a forma como a cultura musical foi envolvida neste processo, restando pouco espaço para a autoria e as tentativas de trabalhar obras ao invés de produtos. 


Bem, as tecnologias estão aí. Aproveitemos as brechas. Lembrando que nenhum desses processos envolveu coações ou coerções (pelo menos no que diz respeito ao público), apenas comércio - e muita promoção e publicidade.


E que somos nós, no fim das contas, que movimentamos as peças do jogo. Joguemos com inteligência para ver se balança pende um pouco para o lado da arte.


É isso.   







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