(trilha sonora:
Chama Verequete (Domínio público) do CD "Verequete é o Rei")
Como um viajante que olha saudoso seu álbum de retratos de viagem (que é exatamente o que sou agora) e, embora tenha sido razoavelmente curta e recente a ida a Belém do Pará, a intensidade da cidade deixou marcas bem profundas na memória. Como um andarilho que olha seu baú de alegrias guardadas e tenta lembrar cheiros, sabores, sons e outras sensações de outros sentidos que a foto não consegue congelar junto com as imagens, assim retomo minhas percepções do Belém e do Pará.
Começo, então, com o cheiro ou melhor, os cheiros do Pará.
Logo que se chega em Belém, além da temperatura que bate na sua cara (se você vindo de terras mais frias onde o inverno é invertido com o daqui); o que também te assoma (se você possuidor de bom olfato) é um cheiro próprio, da terra e das pessoas; no ar o tempo todo.
Amêndoa? Castanha? Essências industrializadas? Ervas da Amazônia?
Que cheiro será esse?
Será o cheiro da maniva que faz a maniçoba, do tucupi, do tacacá, do jambu, de tanta coisa de comer e tantas e tantas plantas e peixes que só poderiam sair da Amazônia? Será o cheiro dos mistérios que exala ao se falar dos ribeirinhos, gente morando no entorno da Grande (grande mesmo!) Belém e tirando açai, pupunha e peixes, da floresta e dos rios e fazendo destes estrada e avenidas?
Será o cheiro do onipresente açaí!??!!
Que lá é servido e comido com peixe, para surpresa e deleite dos de fora. Eu mesmo me apaixonei pelo açaí com dourada, destacando a leveza e ausência de espinhas incômodas nesse peixe. E, como tempero maior, o clima alucinado de feira brasileira do complexo do Mercado Ver-o-Peso.
Cheiros e mais cheiros do Pará. Cheiro de exagero?, ao ouvir o grande contador de estórias, Olivar, nosso garçom preferido, ali na Praça Frei Brandão, num cenário de cartão postal, ornado pelo belo Forte do Presépio, a belíssima Casa das Onze Janelas, a Igreja Matriz, etc., etc., cercados de belezas históricas belenenses muito bem cuidadas, entre chopps e caldos e brejas...
Será que ele aumenta um ponto? Ele é do Marajó e, ao ouvir nosso interesse em ir pra aquela terra encantada (que acabou não sendo possível, não dessa vez...), foi nos adiantando algumas maravilhas munchausenianas de sua terra. Por exemplo, que lá tem um jacaré de 16 metros. Que há tartarugas cujo casco é maior que uma dessas camionetes grandalhonas de agro-boy. Que numa família há uma moça de 3,65m. (lógico que ela é a mais alta, as pequeninhas, baixinhas têm 2; 2,15m).
Ele ainda trouxe um casco do micuim (que dá no pirimpimpim) pra gente ver. Os pobres céticos de espírito juram que é apenas uma cuia ou cumbuca, mas eu não consigo deixar de acreditar na expressão séria e compenetrada do Olivar, com um leve sorriso no canto da boca, num ritmo que só os grandes contadores de piada e de estórias têm na fala e de crer no seu uniforme de marinheiro. Alguém do jeito dele deve saber muitas verdades da vida.
Como a bela Indiana, que nos serviu mais dourada com a loura local (a cerveja do Pará) na noite do Ver-o-Peso. Moça de linda beleza marajoara em seus tenros 16 anos e um certo desconforto de estar ali só no Mercado já não tão repleto de passantes, seus olhos brilharam ainda mais quando o assunto foi a Ilha e nos levou até lá contando as estórias de sua avó, ligando a sabedoria das velhas mulheres (que segundo um professor meu já nascem todas com mil anos de esperteza) com as promessas, sonhos e medos da juventude. Ela contou sobre a cobra grande que mora lá embaixo do rio, numa catedral de onde, em certas noites, se podem ouvir os sinos soando debaixo da grossa coluna d'água.
Não acreditar nela faz a vida ficar mais besta e, aí sim, ver só o peso das coisas e não ter fé nas levezas.
(mais trilha sonora:
Agora, voltando aos cheiros do Pará, uma pergunta: que cheiro será que tem uma cor?
Eles eram muitos, dizem, no passado. Habitavam as costas do Brasil extensamente. Usadas suas plumagens para ornamentos indígenas e destruídos seus nichos ecológicos, ficaram alguns poucos bandos, no norte do país e, pasmem, mais poucos ainda (um bando cuja população, felizmente, a cada ano, cresce mais) aqui em Cubatão (SP). É, aquela mesma, das muitas poluições e indústrias. Bem, mas lá, no Museu Goeldi e no belo Parque do Mangal das Garças (foto acima) eles estão à mostra, com esta cor inacreditável que quando se avista ao longe causa um espanto que dá uma suspendidinha na respiração.
São os guarás:
E as fotos a seguir são de lá, do Mangal. Paisagem pra se aspirar fundo n'alma.
Lindo esse parque, não?
E eu aqui, já no dia 15 de junho (a data lá de cima é de quando eu comecei a postar e desde então as memórias me assomam...) ainda lembrando do Belém do Pará.
Vou dar uma geral, postar um monte de fotos que, espero, dispensem maiores comentários:
[Estação Docas]
[Motorista de ônibus belenense e seus adornos...
]
[Vitórias-régias do Parque Emílio Goeldi]
[Detalhe do interior da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré]
(observação: as fotos são todas minhas, e os agradecimentos são pra Delba Baraldi pelos toques e pelo equipamento.)
E, depois de tudo isso, depois do choro de primeiríssima na Casa do Gílson, depois do banho de riomar no Mosqueiro, depois de sol e chuva e chuva e sol (casamento de viúva, de espanhol...), depois de balada local de carimbó no Mormaço, depois de tanto aroma e sabor, uma dúvida: que cheiro tem uma saudade?
2 comentários:
Tem cor e tem sabor ora!
A cor verde e preto quase vermelha da cor do açai, desta terra cativante... pelo menos para mim.
valeu pela re-viajem, e em breve a foto do seu Olivar, cara mais forte que o proprio Popay!
abraço,
Rafa
PS se tivesse trazido o açai ele ainda tava congelado desde que cheguei por estas terras do sul e olha que nem estamos em marajo!
Um dos mais importantes fotógrafos do século XX,Henri Cartier-Bresson disse:
"Você só fotografa aquilo que vê, e aquilo que vê depende de quem você é".
Querido Lampa,
Você é um poeta transmitindo poesia através de imagens.
Parabéns, agradeço o carinho.
Delba Baraldi
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